Traducción NO oficial por Ps.Amilkar A. Brunal.Disponible en https://revistaorientaccion.blogspot.com/2020/04/por-que-un-enfoque-centrado-en-la.html
Red latinoamericana de Profesionales
de la Orientación (RELAPRO)
Relapro@gmail.com
Reflexões a partir da América Latina – O
caso do Brasil
Marcelo Afonso Ribeiro
(Universidade de São
Paulo, São Paulo, SP, Brasil)
Tristram Hooley (Universidade de
Derby, Reino Unido), Ronald Sultana (Universidade de Malta, Malta) e Rie
Thomsen (Universidade de Aarhus, Dinamarca) cumpriram importante papel
ao incluir o campo da orientação profissional e de carreira (OPC) no diálogo
emergente e urgente da crise mundial gerada pelo coronavírus em seu texto “Por
que uma abordagem focada na justiça social para orientação profissional e de
carreira é importante na época do coronavírus?”[1][2]. Afinal
duas dimensões centrais da vida estão sendo interpeladas radicalmente: os
projetos de vida e os projetos de trabalho de todos/as, sem exceção, estão em
xeque. Estados e nações buscam compreender o fenômeno em curso e alguns
parâmetros para esta discussão ficam explicitados. Pretendo fazer uma breve e
inacabada discussão semelhante aos/às autores/as, entretanto, com um olhar de
alguém que vive em um contexto de desigualdade social, informalização do
trabalho e baixo suporte do Estado, como o contexto do Brasil, a fim de traçar
pontos comuns e pontos locais da questão abordada. Elegi quatro pontos centrais
para a discussão realçados por algumas das consequências sociais e econômicas geradas
pela pandemia.
Em primeiro lugar, as disputas
entre modelos de Estado com uma maior ênfase em políticas de desenvolvimento
social versus modelos com uma maior ênfase em políticas de desenvolvimento
econômico com gradações entre estes extremos, conforme já vinham discutindo
Ricardo Antunes[3]
no Brasil e Alain Touraine na França[4]. Dilema, este, que se constrói a partir de dois
interesses em confronto: de um lado, a globalização e o
produtivismo (desenvolvimento econômico), e, de outro lado, a defesa dos
direitos humanos básicos (desenvolvimento social), entre eles, o direito ao
trabalho e, preferencialmente, um trabalho decente, como preconiza a Organização
Internacional do Trabalho (OIT)[5]. Esta
questão emergiu no falso dilema entre as ações de combate à pandemia que
deveriam pensar primeiro na economia e depois na saúde das pessoas, ou
vice-versa, não existe economia sem saúde e saúde sem economia. A questão da
quarentena, do isolamento social e do distanciamento social como estratégias de
combate à pandemia está no centro deste dilema. Isto reacende a questão de quem
trabalha para quem, ou seja, os/as cidadãos/ãs devem trabalhar para garantir o
pleno funcionamento do Estado ou o Estado deve trabalhar para garantir o pleno
bem-estar das pessoas? Isto coloca em xeque a função do Estado: quem trabalha
para quem? Concordo com a premissa de que, no sistema capitalista, sem desenvolvimento econômico não há desenvolvimento social, mas sem
desenvolvimento social, o desenvolvimento econômico não se sustenta, ou seja,
as pessoas deveriam ser, sempre, o fim direto de qualquer ação estatal (no
contexto da pandemia, a garantia da saúde vem em primeiro lugar associada a
ações de garantia de renda mínima para todos/as). Neste ponto, a adoção de
políticas neoliberais em contextos de desigualdade social acentuada, como o
Brasil, impede qualquer possibilidade de emancipação e ascensão a partir do
trabalho para a maiorias das pessoas[6]. No campo
da OPC, a utilização de estratégias de visem, exclusivamente, ajustamento ou
adaptação são, de forma direta, estratégias que impedem qualquer possibilidade de
emancipação social, pois dizem para as pessoas o que a sociedade destinou a
elas, sem oferecer a opção de tentar transcender este lugar socioeconômica e
culturalmente definido. Neste sentido, a crise que a pandemia instaurou se
mostra como uma ótima oportunidade de questionar o normal vigente e começarmos
a pensar qual será o novo normal. Neste ponto, parte
da construção do novo normal seria a desconstrução da institucionalização e
consolidação em andamento, inclusive jurídica[7],
de dois grupos antagônicos de pessoas: as que merecem direitos (membros
plenos da sociedade) e as que devem se contentar em trabalhar sem direitos (membros não plenos da
sociedade), com um grupo transicional que pleiteia ser membro pleno da sociedade.
Nesta linha de raciocínio, direitos seriam privilégios para alguns/mas (os/as mais
qualificados/as e com posição social alcançada pela meritocracia), enquanto a
grande maioria não teria direitos e deveria se contentar com uma vida precária
e um trabalho precário [e.g., migrantes na Europa e metade da PEA (População
Economicamente Ativa) no Brasil), legitimando a injustiça social fundamentada
no argumento de que “vocês não são como nós, por isto podem ser explorados/as”,
conforme salientam Monica Budowski e Sebastian Schief da Universidade de
Fribourg (Suiça)[8].
Discordo deste posicionamento e acredito que todos/as devem ter acesso aos
direitos fundamentais e o Estado deveria garantir condições mínimas para tal. Concordo
com Hooley, Sultana e Thomsen de que o trabalho do orientador/a é um
espaço privilegiado para auxiliar na construção deste novo normal,
principalmente ajudando as pessoas a desafiar e transcender os mecanismos
dominantes neoliberais, contribuindo na consciência
crítica de que a individualização da proteção social
é impossibilitada para a grande maioria da população mundial, e que a OPC tem que começar a cuidar dos/as
trabalhadores/as informais e precarizados/as (dos/as que não tem nem emprego,
nem trabalho decente).
Em segundo lugar, as disputas entre
modelos sociais, políticos e culturais, principalmente entre modelos ocidentais[9] e
modelos asiáticos[10]. Nestas
disputas estão em jogo o controle e a tutela que o Estado deve exercer numa
dicotomia entre liberdade individual e controle estatal, com gradações entre
estes extremos, ou seja, pouco controle estatal com maior responsabilização das
pessoas por suas vidas (neoliberalismo) versus maior controle estatal (e.g., modelo
norte-americano versus modelo chinês). No campo da OPC
isto aparece com as questões da liberdade de escolha e da autonomia. E temos
que nos fazer algumas perguntas. A primeira pergunta é: O que seria uma
liberdade de escolha? Qualquer tentativa de resposta a esta questão coloca em
jogo modelos culturais coletivistas versus modelos culturais individualistas.
Jean Guichard, do CNAM (Conservatoire National des Arts et Métiers, França)[11]
já nos alertava que qualquer intervenção em OPC
deveria introduzir um dilema ético na questão da liberdade de escolha, e convidar
a todos/as a pensar na “percepção do preço para a humanidade de nossas
conquistas pessoais”. No contexto da pandemia, não distanciar-se socialmente
pode gerar um número maior de mortes; no contexto do trabalho, não pensar nas
consequências e impactos das minhas decisões cotidianas sobre a vida dos/as
outros/as e do mundo em geral pode prejudicar pessoas, processos de trabalho e
contextos (e.g., a ideia de emprego verde proposta pela OIT[12],
definido como um trabalho que preserva ou estabelece a qualidade do meio
ambiente, independentemente de sua área de atuação). Este exemplo nos traz a
questão da autonomia, ou seja, quem pode ser autônomo/a? Pessoas com capital
social e econômico e suficiente para tal, como diria Pierre Bourdieu[13].
No Brasil, por exemplo, com mais de 50% dos/as trabalhadores/as na
informalidade ou desempregados/as, a decisão de não trabalhar, não é uma
decisão simples, nem exclusivamente pessoal pela falta de autonomia da maioria.
Por conta disto, muitas pessoas estão se expondo ao risco de se contaminar e
contaminar os/as demais por questões de sobrevivência. Este é um retrato de
como a individualização da vida em contextos de desigualdade social, como da
América Latina, é uma estratégia que deixa as pessoas em situação precária e de
falta de segurança. Desta maneira, penso que saídas individualizadas são
ineficazes em contextos socioeconomicamente desiguais, há necessidade de
suporte comunitário, social e estatal, o que coloca em xeque o modelo dominante
neoliberal, ao mesmo tempo em que, deve-se tomar cuidar para não incentivar
ações estatais autocráticas. Retornando ao campo da OPC, Frank Parsons,
fundador do campo, defendia que uma orientação não faria sentido se não
contribuísse com a emancipação e a transformação psicossocial, e preconizava o princípio do mutualismo como saída ao capitalismo ao
apregoar a troca da competição pela cooperação, e da ambição pelo dinheiro pelo
consenso e pela humanidade, acreditando que a sociedade deveria ser controlada
pelo povo e gerida pelo poder público, em prol do bem-estar do todos/as, o que
retoma a definição de público, ou seja, para todos/as em prol do bem-comum[14].
Em terceiro lugar, a necessidade urgente
de incluir a discussão do que é trabalhar no centro das intervenções em OPC, em termos de que tipo de trabalho irei
desempenhar, qual o lugar do trabalho na minha vida, qual a finalidade do
trabalhar para mim, o que espero alcançar com meu trabalho, quais seriam os
potenciais impactos do meu trabalho nas várias dimensões da sociedade, e que
lugar estaria destinado a mim no mundo do trabalho em função da minha posição
socioeconômica e cultural. Em síntese, que lugar eu ocupo nas relações de poder
na sociedade e qual a chance de transcendê-lo. Silvio Bock[15]
já alertava desta necessidade no início dos anos 2000 em sua abordagem
sócio-histórica para a OPC,
e Hooley, Sultana e Thomsen reforçam esta tese ao propor a construção da
consciência crítica e o auxílio às “pessoas a entender a (sua) situação
(política), não apenas a reagir a ela em nível pessoal”.
E, finalmente, dois pontos que
gostaria de questionar na argumentação de Tristram Hooley, Ronald Sultana e Rie
Thomsen, e propor saídas alternativas para contextos latino-americanos. O primeiro
ponto diz respeito a necessidade de ampliação das práticas online e isto
esbarra numa questão que estamos vivenciando no Brasil: Quem tem acesso e/ou
acesso de qualidade à Internet para ficar online, por exemplo, durante uma aula
de 3 horas? Uma boa parte da população brasileira não tem, principalmente a
partir de suas casas. Isto coloca um limite às práticas online, que é a questão
da exclusão digital. E, o segundo ponto, diz respeito à ampliação da oferta de
políticas públicas de OPC
e isto esbarra numa outra questão histórica vivenciada no Brasil: nunca tivemos
nenhum tipo de política pública de OPC
e não parece estar no horizonte do governo brasileiro esta proposta atualmente.
Alternativas a este problema, em contextos de baixo suporte estatal e alta
desigualdade social, devem vir de estratégias comunitárias e das organizações
sociais. Um exemplo é o trabalho desenvolvido por Sergio Rascován[16]
na Argentina em comunidades periféricas de Buenos Aires a partir de uma rádio
comunitária, ou seja, diante da deficiência digital, podemos lançar mão dos
recursos sociocomunitários já existentes, como vem acontecendo nas comunidades
de baixo poder aquisitivo no Brasil para o combate da pandemia (por exemplo,
pela utilização de carros de som circulando pelas ruas). Como se isolar
socialmente se dependo do trabalho diário para a sobrevivência? Comunidades,
associações de bairro e movimentos sociais locais vêm criando formas
alternativas locais de evitar a disseminação do coronavírus, sustentar a
economia local e garantir condições mínimas de segurança e proteção
independentemente do Estado que está praticamente ausente nestes contextos. Devemos
seguir lutando tanto pela inclusão digital, quanto por políticas públicas de OPC, mas, enquanto isto não se efetiva,
temos que considerar que o novo normal dos trabalhos de OPC, se quisermos incluir todos/as, não está
nas práticas online, nem a partir de políticas públicas, mas antes, a partir da
organização comunitária, que é a organização possível para uma boa parte das
pessoas no Brasil, e dos recursos que ela dispõe. Isto não significa que não devemos
levar a sério e empreender uma agenda de pesquisa e de experimentação intensa de
trabalhos de OPC online, que vem se
mostrando urgente diante da realidade da pandemia. Assim, para ter o potencial
de emancipação, a OPC não pode ser um trabalho restrito à relação a dois
(orientador/a e orientando/a) ou grupal, ela necessita incluir, de forma
direta, a comunidade de origem dos/as orientandos/as, não como mera fonte de
consulta, mas como cocolaboradora no processo de construção do projeto de vida
de trabalho do orientando/a (por exemplo, promovendo grupos de discussão em associações
comunitárias com orientandos/as e moradores/as locais).
Em suma, penso que a crise
multidimensional gerada pela pandemia do coronavírus é uma excelente oportunidade
para reconstrução do mundo e, no caso específico, do campo da OPC, do qual vários/as autores/as vinham
assinalando pontos necessários de mudança e que, agora, encontram espaço para
potencialmente se efetivarem, diante da tarefa imposta de pensar sobre o novo
normal. Cito uma síntese das demandas de transformação OPC
que publiquei em 2018[17],
como exemplo do projeto colocado ao campo.
1) Enfrentamento da flexibilização,
individualização e precarização do mundo do trabalho e das carreiras para atender
às demandas sociais e de trabalho contemporâneas de forma socialmente justa.
2) Contextualização das teorias e
práticas.
3) Incorporação de novas epistemes
em sintonia com os avanços no campo da ciência.
4) Ampliação e diversificação do
público atendido.
5) Incorporação das discussões da
interseccionalidade de raça/etnia, gênero/sexualidade e classe social nas
teorias e práticas em orientação.
6) Incorporação de projetos de
transformação social em suas práticas, como Frank Parsons propôs inicialmente.
Este é o nosso desafio atual:
aproveitar a brecha criada na sociedade pela pandemia e tentar recriar um
normal que tenha todas as pessoas como centro de qualquer ação social e
política. Citando Hooley, Sultana e Thomsen: “Em tal situação, precisamos
pensar em como podemos tornar o novo normal um mundo mais justo, humano e
sustentável”, que possa oferecer OPC para todos/as de forma contextualizada e
em diálogo permanente com todos/as.
São Paulo, 5 de abril
de 2020
[1]
Hooley, T., Sultana, S., & Thomsen, R. (2020). Why
a social justice informed approach to career guidance matters in the time of coronavirus.
Retrieved from: https://careerguidancesocialjustice.wordpress.com/2020/03/23/why-a-social-justice-informed-approach-to-career-guidance-matters-in-the-time-of-coronavirus/
[2] David
Blustein (EUA), igualmente, tem incentivado e coordenado ações através do link:
https://lists.purdue.edu/mailman/listinfo/psychologyofworking
[3] Antunes, R. (2015). O caracol e sua concha:
ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo.
[5] International Labour Organization (ILO, 1999). Report on decent work. Retrieved from: http://www.ilo.org/public/english/standards/relm/ilc/ilc87/rep-i.htm
Ribeiro,
M. A. (no prelo). Reforma trabalhista: uma análise psicossocial. Revista de
Psicologia da UFC.
[7] A chamada Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017) realizada no
Brasil é um exemplo disto.
[9] De Masi, D. (2020) Coronavirus
anuncia revolução no modo de vida que conhecemos. Extraído de:
https://www.folha.uol.com.br/ilustrissima/2020/03/coronavirusanuncia-revolucao-no-modo-de-vida-queconhecemos.
shtml?utm.source=whatsapp&utmmedium=soial&utm campaign=compwa.
[10] Han,
B.-C. (2020) O coronavírus de hoje e o mundo de amanhã. Extraído de:
https://brasil.elpais.com/ideas/2020-03-22/o-coronavirus-de-hoje-e-o-mundo-de-amanha-segundo-ofilosofo-byung-chul-han.html
[11] Comunicação pessoal,
24 de maio de 2018.
[12] Organização Internacional do Trabalho
(OIT, 2009). Empregos verdes: rumo ao Trabalho Decente em um mundo
sustentável e com baixas emissões de caborno. Resumo. Extraído de: http://www.oit.org/brasilia/publicacoes/WCMS_229627/lang--pt/index.htm
Parsons,
F. (1894). The philosophy of mutualism. Arena, 9, 783-815.
[16] Rascovan, S. (2018). Orientación vocacional con sujetos
vulnerabilizados. Experiencias socio-comunitarias en los bordes. Buenos
Aires: Novedades educativas.
[17] Ribeiro, M. A. (2018). Comprensiones híbridas y diálogo intercultural:
Dos principios básicos para la construcción de propuestas contextualizadas en
orientación y asesoramiento para la carrera. Revista Mexicana de
Orientación Educativa, 15(34), 1-21.
No hay comentarios.:
Publicar un comentario